O Portal do SINDIPETRO/RN (www.sindipetrorn.org.br) entrevistou o vereador natalense, George Câmara, sobre a posição assumida pelo parlamentar diante do polêmico projeto que permitiria a comercialização de combustíveis em supermercados e hipermercados, no município de Natal. George, que também é diretor licenciado do Sindicato dos Petroleiros do RN, votou contra a proposição, que foi derrotada pelo estreito placar de 10×9, e explica as razões de seu posicionamento.

Portal: Se a venda de combustíveis não é a atividade-fim dos supermercados por que algumas redes têm tanto interesse em explorá-la?

George: É uma forma de atrair e aumentar o número de clientes. Ampliar fatias de mercado, incorporando, sobretudo, pessoas de maior poder aquisitivo, que são proprietárias de veículos. Você precisa abastecer, pensa no menor preço de combustível e, pela comodidade, acaba fazendo compras no mesmo estabelecimento.

P: Quais são as redes que exploram ou têm mais interesse nesses serviços?

G: Sobretudo, as três de maior faturamento, e que, hoje, estão sob controle do capital estrangeiro. Pelo ranking da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS 2011 – Top 20)*, a Companhia Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar, Extra, Compre Bem, Sendas, Assaí…), com faturamento de R$ 36 bilhões, em 2010; o Carrefour (Carrefour, Atacadão, DIA), com faturamento de R$ 29 bilhões; e, o Walmart (Wal Mart Brasil, Bom Preço e Hiper Bom Preço, BIG, Mercadorama, Nacional, Maxxi Atacado, Todo Dia, Sam`s Club), com R$ 22 bilhões. Destas, a que tem mais postos em funcionamento é o Carrefour. Mas a revenda de combustíveis também é realizada por outras redes.

(*)Disponível em

http://www.abrasnet.com.br/economia-e-pesquisa/ranking-abras/as-500-maiores/

P: Só para ilustrarmos a fatia dessas empresas no mercado brasileiro de supermercados, você tem algum número?

G: De acordo com o mesmo ranking da ABRAS, que enumera as 20 maiores redes de supermercados do País, o grau de concentração é muito elevado. Só as três primeiras, arrecadam mais de 75% do total faturado pelas 20.

P: Em que patamar se encontram as redes norte-rio-grandenses nesse ranking?

G: Não há nenhum grupo entre os 20 maiores.

P: Você disse que a revenda de combustíveis no País também é realizada por outras redes. Quais seriam?

G: Um dia desses, tive acesso a um blog que questionava nosso posicionamento nessa matéria, e que tratava desse assunto. Em favor da aprovação do projeto, o blogueiro argumentava, alegando que redes desconhecidas, inclusive grupos de menor expressão no País, já estariam adotando essa modalidade de serviço.

Entre as cinco redes “desconhecidas” que ele usou como exemplo, caracterizando-as como “de menor expressão”, estavam o SAVEGNAGO (17ª no ranking da ABRAS, com R$ 993 milhões de faturamento; o ANGELONI (9ª no ranking, com faturamento de R$ 1,8 bilhão) e o BRETAS, que foi incorporado ao Grupo GBarbosa (4º nacional, com faturamento de R$ 3,5 bilhões). Não sei se o blogueiro agiu por desconhecimento ou má-fé!

P: Voltando ao tema central, se essas empresas utilizam a revenda de combustíveis como forma de atrair clientes para ampliar suas fatias nos mercados locais, não seria mais barato fazer isso utilizando outras estratégias de marketing?

G: Acredito que não, porque, temos aqui uma combinação de estratégia de marketing com esperteza tributária. A estratégia está relacionada ao esforço de polarização de uma clientela, com certo poder aquisitivo, que é proprietária de um ou mais veículos. Quem tem carro, dificilmente pega táxi ou ônibus para fazer supermercado.

P: E a esperteza…? A gente fica se perguntando: por que será que postos de revenda instalados em supermercados, hipermercados e congêneres, que nada têm a ver com essa atividade-fim, conseguem vender combustível por valores inferiores aos dos postos? Apenas por uma estratégia de marketing? Mas isso não dá prejuízo?

G: Um célebre defensor do livre-mercado, o economista norte-americano, Milton Friedman, costumava dizer que “não existe almoço grátis”. Com essa expressão, ele opinava que, sempre que o governo gasta dinheiro com iniciativas populares, é a própria população que acaba pagando a conta depois. Não concordo com esse pensamento, mas a expressão criada por ele encaixa-se perfeitamente nessa questão da venda de combustíveis em supermercados.

No Brasil, a legislação tributária prevê a cobrança antecipada do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) ao comerciante varejista de combustíveis. É o chamado contribuinte substituído. Ele adquire o produto das distribuidoras já com o valor do imposto incluído. Teoricamente, se o valor pago antecipadamente for superior àquele que o varejista deveria pagar em razão das vendas realizadas, ele passa a ter direito a uma restituição.

Digo, teoricamente, porque, no caso dos postos, na maioria das vezes, esse crédito de pouco adianta. Como não existem outros produtos nos quais esses valores possam ser compensados, a diferença fica escriturada como crédito para o varejista.

No entanto, para os supermercados e hipermercados que possuem postos, a regulamentação é amplamente vantajosa. Vendendo combustível a preços baixos, eles atraem clientela e geram créditos de ICMS que podem ser compensados em qualquer outro dos milhares de produtos comercializados pela empresa. Desta forma, as grandes redes ganham de dois lados: atraem uma clientela maior, em função do combustível barato, e recolhem menos impostos sobre os produtos que comercializam em sua atividade-fim, aumentando os lucros.

Na outra ponta, o consumidor abastece o carro no posto do supermercado, aproveita para fazer compras nesses estabelecimentos, e deixa de freqüentar o comércio do bairro. Qual a consequência de tudo isso para a economia local? Nenhuma?

P: Além dos aspectos econômicos, quais os impactos sociais da aprovação da Lei que pretendia autorizar o funcionamento de postos em supermercados?

G: Olha, eu não vou nem entrar na discussão sobre se esses supermercados que revendem combustíveis, a fim de atrair uma clientela classe média, de maior poder aquisitivo, são os que praticam os maiores preços. As pesquisas estão aí, e as pessoas que moram próximas a esses estabelecimentos, e que não têm carro, são as maiores testemunhas.

O fato é que, se o projeto fosse aprovado, da forma como está, estaríamos permitindo às grandes redes estabelecerem um processo concorrencial profundamente desleal com os agentes econômicos locais, e com impactos negativos para os trabalhadores e o povo natalense. Ou alguém acredita que a aprovação dessa matéria não teria repercussão sobre o mercado de trabalho local?

Desse ponto de vista, inclusive, há que se considerar que muitos desses estabelecimentos, Brasil afora, têm disponibilizado funcionários da própria rede, não especializados, para atender consumidores em seus postos, e que não obedecem à convenção coletiva defendida pelo sindicato dos frentistas e dos demais trabalhadores de postos de gasolina, o que agrava o aspecto desleal da concorrência. Supermercados seguem a convenção coletiva do comércio varejista, que pratica salários menores e não paga vários direitos trabalhistas devidos aos frentistas.

P: Haveria alguma possibilidade de aprovação dessa matéria?

G: Penso que não, e o problema é que, para ser tratado adequadamente, o assunto deveria ser discutido em outras instâncias, que extrapolam as competências do Legislativo Municipal. Seria necessário determinar que os supermercados, hipermercados e congêneres interessados em instalar postos de revenda de combustíveis, derivados de petróleo e produtos inflamáveis, detivessem razão social específica para esse fim, e que não se utilizassem do mesmo CNPJ ou Inscrição Estadual. Com isso, demandas tributárias e trabalhistas poderiam ser equacionadas, mas ainda restariam pendências relacionadas a aspectos ambientais e de segurança.

P: Inflado por setores da mídia, o senso-comum apostou em que a “Lei dos Postos em Supermercados” estimularia a concorrência no setor, contribuindo para baixar os preços dos combustíveis em Natal. O que você tem a dizer sobre isso?

G: Duas coisas. Primeiro é que precisamos enxergar a floresta por trás da árvore. Como parlamentar, preciso avaliar as consequências para a sociedade natalense de cada decisão que tomo. O Projeto aparentava dar com uma mão e tirar com a outra. Hoje, acredito até que tirava mais do que dava. A mão que tirava era pouco visível: a famosa mão invisível do mercado.

Em outras palavras, os segmentos da população simpáticos à ideia apoiavam-se no entendimento ingênuo, romântico, até, de que a concorrência resolve tudo. Ora! Toda concorrência leva à monopolização. Essa é uma lei econômica do capitalismo, e não há como fazer dispositivos jurídicos que evitem isso. No entanto, pelo menos, podemos evitar a concorrência desleal, obtida por favorecimento.

Em segundo lugar, para que se possa combater os elevados preços dos combustíveis em Natal, é necessário entender o que acontece. Há três meses, apresentei um projeto de lei que obriga os donos de postos a divulgarem a estrutura de preços do combustível que comercializam. Em outras palavras, a apresentarem a margem de lucro de cada estabelecimento. Não estou falando em valores, mas em percentuais. Nas bombas, os preços são livres. E o preço final ao consumidor varia em função de múltiplos fatores. Na hora da votação desse Projeto, quero ver quem estará a favor.