A transição na presidência da Petrobras com a saída de Roberto Castello Branco e a chegada do general Joaquim Silva e Luna abriu um conjunto de incertezas e especulações sobre o futuro da empresa, principalmente da política de preços dos derivados de petróleo. A entrada de um militar na presidência da petrolífera significaria uma inflexão pró-Estado na companhia?

O governo Bolsonaro tem buscado aprofundar a abertura do mercado de refino, cuja estratégia central é a saída da Petrobras visando abrir espaço para a atuação de importadores e de companhias privadas. Para viabilizar essa política, um primeiro passo dado pelas últimas gestões da estatal foi manter o funcionamento do parque de refino com capacidade ociosa a fim de fomentar os importadores no mercado brasileiro. De 2016 até o início da pandemia, o número de importadores cresceu mais de 35% no mercado brasileiro. Um passo seguinte seria a venda de oito unidades de processamento da estatal, o que viabilizaria a entrada de investidores privados nas refinarias locais.

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Mas, para garantir mais importação e novos entrantes em refino, a Petrobras foi obrigada a manter os preços dos combustíveis em paridade com o mercado internacional. Por isso, qualquer defasagem nos preços internos em relação aos externos gerou pressões para que eles, rapidamente, fossem alinhados à sua cotação no exterior.

Nos últimos meses, a estatal pareceu ter cedido a essas pressões, elevando significativamente a frequência dos reajustes dos combustíveis. No caso do diesel, de maio até agosto de 2020, a Petrobras corrigiu, em média, o preço uma vez a cada 18 dias. Até o começo de março de 2021, esse número caiu para cada 12 dias. Apesar de ter acelerado o ritmo dos reajustes, a variação do preço do diesel da Petrobras ficou próxima à da paridade de importação medida pela ANP.

Isso parece indicar um acirramento das tensões entre a gestão da Petrobras e o governo federal. A convergência dos preços não é, portanto, o problema principal, mas, sim, a velocidade dos reajustes, uma vez que, a cada mudança divulgada pela estatal, o governo Bolsonaro se vê pressionado pelos caminhoneiros, um setor importante da sua base aliada.

Outro fator de tensionamento surgiu após o anúncio da troca na presidência da empresa. Quatro dos seis conselheiros nomeados pela União anteciparam suas saídas da próxima gestão, sendo que dois deles realizaram uma defesa enfática de Castello Branco e criticaram o presidente Bolsonaro — o representante máximo do acionista majoritário.

É interessante notar que o ministro Paulo Guedes não fez nenhum gesto público para defender a administração de Castello Branco, desde que cresceram as tensões entre ele e Bolsonaro. Além disso, nas novas indicações feitas pela União, alguns nomes têm um perfil um pouco diferenciado do conselho atual (muito ligado a Castello Branco), inclusive aquela que foi sugerida explicitamente pelo Ministério da Economia. Em vez de nomes com trajetória no mercado financeiro, duas das conselheiras apontadas, por exemplo, têm vasta experiência no setor privado, mas nas áreas de governança e de recursos humanos, o que pode sinalizar novas prioridades na gestão da estatal.

Esses são alguns dos sinais de que o ministro não estava de completo acordo com a aceleração da velocidade do aumento dos preços e, talvez, com alguns aspectos da administração da estatal. Nesse caso, é menos provável que estejamos diante de uma “militarização” da Petrobras, mas, sim, de uma recomposição e uma nova coesão entre as forças dentro da ala pró-mercado da petrolífera.

A estratégia de Castello Branco parecia ter criado uma convergência de interesses entre o projeto pró-mercado do governo federal, as petrolíferas estrangeiras, os fundos financeiros e os importadores de derivados. Todavia, esses acontecimentos recentes revelam que há uma fissura nesse bloco e um distanciamento entre as predileções do acionista majoritário e dos conselheiros que o representam.

Nesse sentido, as mudanças e os conflitos no Conselho de Administração da empresa traduzem os diversos interesses financeiros e privados, inclusive das corporações estrangeiras. Em vez de estarmos diante de uma inflexão pró-Estado, o que se observa é a tentativa de superar as tensões dentro da própria ala pró-mercado da empresa.

Fonte: INEEP / Correio Braziliense