Na sequência da série de artigos para o Dia Internacional da Mulher, publicamos hoje texto do professor Antônio Capistrano, ex-deputado estadual, sobre Ana Montenegro, pioneira das lutas feministas, falecida em 2006.

Por Antônio Capistrano*

Na manhã do dia 2 de abril de 2006, ouvi, com profundo pesar, a notícia da morte da escritora e militante comunista Ana Montenegro. Era um domingo, o primeiro domingo de abril. O mês de abril sempre esteve na lembrança de Ana, foi no mês de abril de 1964 que ocorreu o golpe militar que a exilou por 20 longos anos.

Uma militante histórica da luta das mulheres, Ana deixou um legado de garra e perseverança em defesa das lutas populares. Formada em Direito, era jornalista, poeta e escritora, foi uma das fundadoras do jornal Movimento Feminino, veiculo de divulgação das lutas e conquistas do movimento das mulheres brasileiras.

Ana era cearense de Quixeramobim, nasceu na grande seca de 1915, seca essa que inspirou O Quinze, famoso livro de Raquel de Queiroz, outra cearense, pioneira, como Ana, das lutas feministas no Brasil.

Sua militância junto ao Partido Comunista se dá na cidade de Salvador, onde se filia ao partido em 1945 e torna-se amiga e admiradora de Carlos Marighella, liderança carismática do PCdoB.

Ana, mesmo exilada, perseguida pela ditadura militar, continuou a sua militância política, trabalhando em diversos organismos internacionais, na ONU e na Unesco, ela foi redatora da revista Mulheres do Mundo Inteiro, foi uma permanente militante da luta pela anistia e pelas liberdades democráticas no nosso país, mesmo as liberdades dentro de um sistema político e econômico como o nosso.

Portanto, Ana tem uma história de uma verdadeira revolucionária. Comunista desde jovem, militante dos movimentos populares, pioneira do movimento das mulheres. Jornalista, escritora, poeta, viajante do mundo, conheceu – e viveu – os quatros cantos do mundo. Período registrado no seu livro Tempo de Exílio. Mas é a cidade de Salvador uma paixão guardada no fundo do seu coração. Após 20 anos de exílio forçado, é em Salvador que Ana monta a sua base ao regressar ao Brasil, dali passando a fazer a sua militância política por todo o país. Sempre olhando o futuro com muito otimismo.

No seu funeral, recebeu homenagem de todas as tendências de esquerda, dos democratas baianos, do povo que conhecia a sua história. Teve o seu corpo cremado na tarde do primeiro domingo de abril de 2006.

A última vez que estive com ela foi em Salvador, no Aeroporto 2 de Julho. Eu ia para o Rio de Janeiro e fazia uma conexão na capital baiana. Eu e minha esposa, sua grande amiga, combinamos com ela de nos encontramos no aeroporto, foi um reencontro rápido, mas muito agradável. Ana era uma pessoa doce, meiga, firme nas suas convicções. Tenho o registro fotográfico desse nosso último encontro.

Apesar dos seus 90 anos de vida, a notícia de sua morte foi uma surpresa para nós. A vontade, em relação às pessoas de que a gente gosta, admira, é que essas pessoas vivam eternamente, e Ana era uma dessas pessoas. Ela era uma mulher admirável, aparentemente frágil, mas de uma fortaleça impressionante. Os seus livros demonstram a força que ela transmitia, força de quem acredita nos seus sonhos, na sua utopia, à qual dedicou toda a sua vida.

Ela tinha uma ligação carinhosa com a cidade de Mossoró, fez muitos amigos nas diversas visitas que fez a nossa urbe. Durante a década de 80, esteve em Mossoró diversas vezes, participou das memoráveis Semanas de Filosofia e de História da UERN.

Ana registrou a luta histórica das mulheres mossoroenses no seu livro, Mulheres: participação nas lutas populares, publicado pela Coleção Mossoroense. Ela sempre falava com muito carinho do Sindicato do Garrancho, dos Reginaldos, de Chico Guilherme, Zé Moreira, Lourival de Góis, Aécio Cândido, Antônio Gonzaga Chimbinho, João Batista Xavier, Ivonete Soares e outras figuras que ela teve a alegria de conhecer nas suas viagens a nossa urbe.

Recomendo a leitura dos seus livros: Ser ou não ser feminista, publicado em 1981, pela editora Guararapes, e o belo e emocionante relato Tempo de exílio, Edições Novos Rumos, 1988, sem esquecer o já citado Mulheres: participação nas lutas populares.
Ana Montenegro realizou um trabalho que será sempre lembrado pela história, não só pela sua luta em defesa das causas femininas, mas, e principalmente, pela sua perseverança na busca do socialismo democrático como forma da existência de um mundo democrático e justo, sem a ganância do lucro e do consumismo desvairado do capitalismo, causa da miséria e da fome no mundo.

Ana Montenegro é um nome que ficará registrado na história das lutas do nosso povo como uma mulher que soube fazer da sua vida uma inquietação em defesa da vida. Portanto, saudemos Ana Montenegro, uma militante comunista a serviço da vida.

*Antônio Capistrano foi reitor da UERN e ex-deputado estadual