O Supremo Tribunal Federal autorizou, na quinta (01), que o Governo Federal venda oito refinarias e outras subsidiárias da Petrobras sem o aval do Congresso Nacional. Juntas, as refinarias são responsáveis por cerca de 50% da capacidade de refino do país. A decisão, no entanto, contraria decisão anterior do próprio STF, que já tinha decidido que a empresa não poderia decidir sozinha sobre sua própria venda. O julgamento é resultado de uma ação movida pelo Congresso, que questionou o Supremo se a criação de subsidiárias seria uma estratégia para fatiar o patrimônio da Petrobras e fraudar a necessidade de consulta ao Legislativo. O mérito da questão ainda será discutido, a liminar negada pelo STF pedia a suspensão das negociações sem o aval do Congresso.

“A decisão do STF de negar o pedido de cautela formulado pelo Congresso Nacional na reclamação 65.478 relativa ao processo de venda das refinarias é, no mínimo, estranha. O pedido de cautela se justifica pela própria decisão anterior do STF. O Supremo foi provocado a se posicionar sobre a possibilidade da direção das empresas públicas estatais realizarem a sua privatização, que é a venda de seus ativos. Na ocasião, o STF interpretou que as empresas não podem autorizar sua própria venda, que a venda de ativos da empresa mãe, a holding, a empresa principal, precisa da autorização do poder legislativo. Mas, ao mesmo tempo, o STF entendeu que a direção dessas empresas podem vender as suas subsidiárias e aqui vem a questão. A Petrobras tem anunciado como mecanismo de venda de suas refinarias, a transformação de suas refinarias em subsidiárias. Ocorre que a constituição prevê que as estatais criem subsidiárias, desde que seja para cumprir sua finalidade social. A Petrobras criou a Transpetro pra garantir o abastecimento. Mas, transformar os ativos da holding em subsidiárias para posterior alienação configura fraude, afronta o Congresso Nacional e burla a própria Constituição. Por isso estranho a decisão. Mas, ela não encerra o debate porque o STF não julgou o mérito, que ainda será marcado. No entanto, a negação da liminar cria fragilidades e riscos para a economia brasileira e a sociedade”, explica Fafá Viana, diretora da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e diretora do Sindipetro-RN.

Um dos argumentos utilizados para a venda das refinarias, é de que o objetivo é aumentar a concorrência para baixar o preço da gasolina, que tem passado por frequentes altas desde o governo de Michel temer. A medida, no entanto, pode ter efeito contrário.

“O processo de venda das refinarias da Petrobras está envolto em uma narrativa falsa e ancorado num acordo mal explicado entre a direção da Petrobras e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de que é preciso vender as refinarias para criar um mercado concorrencial no refino. Uma refinaria não concorre com a outra, cada uma tem seu mercado cativo e foco em um determinado produto. A do Ceará, por exemplo, tem foco a produção de asfalto e nisso ela não concorre com nenhuma outra. A de Pernambuco tem o foco de produção de diesel de alta qualidade e nenhuma outra concorre com ela. É exatamente a ambição sobre esse mercado que talvez esteja por traz dessa medida mal explicada da Petrobras e do Cade, porque se as empresas estrangeiras quisessem investir no parque de refino, já o teriam feito. Desde 1997 que o mercado está aberto. Ao quebrar-se o monopólio estatal do petróleo criou-se essa possibilidade. Qualquer empresa pode vir aqui investir, desde que atenda aos requisitos da legislação brasileira, mas nenhuma veio e nem virá. O parque de refino é muito concentrado, as grandes empresas de petróleo mantém forte portfólio no refino pela sua capacidade de geração de caixa a curto prazo e pelo seu papel integrador entre as várias atividades da cadeia. Além dessa questão, a produção de refino é muito concentrada em poucos países. Seis países controlam a maior parte da produção de petróleo no mundo, 50% se concentra em apenas cinco países China, Rússia, Estados Unidos, Índia e Arábia Saudita. Essas empresas querem mercado para vender seus derivados, elas não querem parque de refino. Ao vender o parque de refino nacional o governo brasileiro abre mão de interferir na formação do preço levando em conta a produção interna, que tem custo bem menor do que a externa. Com isso, a sociedade fica à mercê da oscilação do mercado internacional do petróleo, como já estamos hoje não por não termos o parque de refino, mas por decisão do governo brasileiro, desde Temer, quando a produção das refinarias foi reduzida para favorecer a importação e, pra isso, foi adotada a política do preço de paridade de importação, que elevou de forma absurda o preço do diesel, do gás de cozinha e da gasolina. O que está em risco nessa matéria não é se vamos ter um produto de melhor qualidade ou mais barato, não existe isso. É sobre a soberania brasileira sobre a garantia do abastecimento interno. Nós ficaremos cada vez mais a depender do mercado internacional e da vontade do refinador. Se ele não tiver interesse em produzir gás de cozinha, ele não produzirá. O impactado serão os mais carentes, os hospitais públicos que ficará à mercê desse mercado internacional sobre o qual o Brasil não tem controle, não tem poder de interferência. O que está em questão não é se pode ou não vender, isso já tá decidido que pode. O que tá em discussão é a forma, a Petrobras está se utilizando de fraude, cometendo desvio de finalidade, afrontando o Congresso Nacional. Por isso que a sociedade precisa ficar atenta e acompanhar esse processo. O STF não pode ficar a favor do mercado internacional e contra os interesses nacionais“, critica Fafá Viana, diretora da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e diretora do Sindipetro-RN.

A narrativa de a Petrobras quebrou por causa da corrupção também é uma justificativa muito difundida, mas que não se sustenta na realidade das contas da estatal.

“A Petrobras tem uma capacidade de investimento maior do que qualquer empresa do setor privado. O desinvestimento aqui que já vem acontecendo desde 2013/2015 vai gerar um problema grave na economia. Em seu auge, o petróleo chegou a contribuir com cerca de 60% do PIB. Além disso, a empresa chegou a investir nas mais de 30 milhões na UFRN nas áreas de automação, medição, instrumentação, engenharia do petróleo, geologia, na área de matérias, além do CT Gás e isso também contribui para o desenvolvimento de energias renováveis, o que é muito importante. Atualmente, o polo de Macau já está funcionando com uma empresa do setor privado, porém, não houve qualquer ampliação na produção ou contratação de mão de obra. Denuncia que funcionários estão sendo compulsoriamente transferidos para áreas de venda, o que tem abalado os trabalhadores, mas o problema mais importante é o da soberania nacional. Outro problema é que se você colocar as refinarias para venda, num futuro breve você vai pagar muito mais caro por combustíveis e derivados de petróleo, porque você vai exportar o óleo bruto, que tem baixo valor agregado, e importar gasolina dos Estados Unidos e de outros países, pagando pelo transporte porque a Transpetro também está sendo vendida. Uma empresa importante que faz a logística do gás e transporte de combustível através de navios, é um problema muito sério”, adverte Rafael Matos, Coordenador Geral do Sinpetro/RN

Além de alta no preço dos combustíveis, a venda das refinarias também traz impactos nas políticas públicas e no desenvolvimento do parque tecnológico do país, que deixa de receber investimentos.
“Nós vemos que o atual governo tem um completo desinteresse com o avanço tecnológico, a qualidade de vida das pessoas. Uma estatal como a Petrobras, Eletrobras, Correios são empresas que foram construídas há anos pra servir ao povo para dar resultados, gerar empregos, agregar no PIB do país, produzir um serviço de qualidade. O governo diz que houve corrupção, que a empresa foi dilapidada, mas isso não é justificativa para se desfazer de uma empresa de um poder como a Petrobras, que teve o pioneirismo da descoberta do pré-sal, a extração em camadas profundas à baixo custo. Se isso não fosse tão importante do ponto de vista da geopolítica mundial, nós não teríamos empresas das grandes potências vindo até o nosso país como a estatal da Noruega, a francesa, a britânica e dos Emirados Árabes. Você vê um completo descaso com o patrimônio que faz parte da sociedade, mas o povo não toma partido disto porque a mídia preferiu retratar que a empresa acabou, faliu e isso é uma mentira. A empresa continua firme e forte, só que as políticas para o funcionamento da empresa é a que desmerece o conteúdo nacional e a gente fica com as perdas tecnológicas, econômicas, sociais e da soberania. No fim de tudo quem perde é o país, o povo brasileiro. É uma questão de entrega do patrimônio brasileiro”, alerta Rafael Matos.

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